Texto originalmente publicado no jornal Cruzeiro do Sul, de Sorocaba, em 20 de maio de 2014. Caderno de turismo, p. 07.
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Participação
do turismo na economia nacional. Fonte:
MTur/PNT 2013-2017 |
Ao tratar de turismo, falamos em criação de novas frentes
de trabalho e emprego; geração de divisas; redução das desigualdades regionais;
construção do sentimento de pertencimento, bem-estar e identidade nacional;
meio de salvaguarda do patrimônio material e imaterial, entre outras coisas.
Desde a inserção de comunidades locais no mundo do trabalho ao incremento no
fluxo de capital e de pessoas, o turismo é pensado para além de uma atividade
econômica. Mas o que normalmente se esquece (mas que vem se discutindo cada vez
mais na Academia) é que ele é, antes de tudo, um fenômeno social, de pessoas. E
pode ser visto como possibilidade de mudança social. Mas será que o turismo
pode dar conta de todas essas expectativas? Como, afinal, isso se configura
hoje?
Em linhas gerais, dizemos o turismo existe desde a
Revolução Industrial (ou seja, a partir do século XIX) quando passamos a exigir
o tempo livre como um direito do trabalhador. É, portanto, no modernismo
capitalista que o turismo se transforma em atividade de massa. Contudo, as
viagens e os deslocamentos sempre existiram enquanto prática social. Na
pré-história, vivíamos o nomadismo, pois as pessoas precisavam sair para
procurar comida; na Antiguidade, atravessávamos fronteiras para dominação de
outros povos; na Idade Média, tivemos as peregrinações religiosas e, enfim, as
grandes navegações.
Esta contextualização nos parece muito clara porque vivemos
em um mundo eurocêntrico. Mas e aqui, no Brasil, como olhamos para o turismo
como fenômeno em transformação?
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Geyzon
Lenin/ Jornal de Brasília |
Há pelo menos quatro décadas temos discutido no país o
turismo. Sabemos que as tendências na área associam-se a questões econômicas,
políticas, sociais, demográficas e tecnológicas e que, ainda estamos muito
aquém daquilo que podemos oferecer a partir de nossa oferta diferencial (os
atrativos turísticos). Em 2003, foi criado o Ministério do Turismo e, em 2008,
a implantação da Lei Geral do Turismo. De lá pra cá, três grandes Planos
Nacionais de Turismo (PNT) têm-nos oferecido as diretrizes para o planejamento
de ações no país, desde a descentralização e municipalização à regionalização
da atividade, bem como vislumbrando a inclusão social e a emergência do Brasil
enquanto potência internacional. Parece-nos, assim, que, no que diz respeito a
políticas, temos avançado. Contudo, há que se perguntar como a formação
específica na área está (ou não) se vinculando com esse novo momento do Turismo
no Brasil.
Alinhados ao crescimento da indústria do turismo, já aos
finais do século XX e início do XXI, tivemos no Brasil um boom no número de
cursos superiores na área. Em uma década saltamos de 27 para 230 cursos
superiores, contudo, a previsão de Mário Jorge Pires, numa análise relatada à
Folha de São Paulo na época, se confirmou; boa parte desses cursos não se sustentaria.
Hoje - quando atingimos cinco milhões de turistas estrangeiros no Brasil -, o
número de instituições de ensino que ofertam o curso, em geral, é menor - ao
mesmo tempo que, lentamente, cresce a oferta de cursos de turismo de nível
tecnológico e bacharelado em instituições públicas (como o da UFSCar,
implantando em 2006). Portanto, mão-de-obra qualificada, tanto para o
planejamento, quanto para a execução dessas políticas e atuação no trade,
existe e continuará a existir.
Além disso, atualmente um dos eixos tecnológicos do
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), está
compreendido na seção de "Turismo, Hospitalidade e Lazer", inclusive,
com cursos e capacitações direcionados aos mega-eventos Copa do Mundo e Olimpíadas.
O que nos falta saber é como estamos congregando a
formatação dessas políticas com a produção dessa mão-de-obra qualificada. Será
que o Estado está dando conta disso? Será que a iniciativa privada têm se
atentado aos diferenciais de uma atividade bem planejada e com profissionais
que investiram na área? Infelizmente, parece-nos que nesse breve processo
histórico do turismo no Brasil, não conseguimos alinhar tais avanços. O que
vemos, nesse sentido, é que mesmo criando políticas públicas para o
desenvolvimento do turismo e formando profissionais qualificados na área, não
nos atentamos à construção de um processo conjunto. Não se trata de reserva de
mercado, como talvez um leigo entenda, está na hora do próprio Estado
(Ministério do Turismo, secretarias estaduais e municipais) assumir os filhos
que gerou, e a iniciativa privada reconhecer.
Posto isso, acreditamos que, sim, o turismo pode dar conta
de todas ou boa parte das expectativas que trouxemos no início do texto, mas
não, necessariamente, de imediato. Ao seu tempo os fenômenos sociais - como o
turismo - vão se moldando ao que reproduzimos enquanto sociedade. Defendemos
que basta alinharmos as estratégias à luz de uma mudança social, a qual só pode
ocorrer entre a interação das políticas e seus atores - aí incluídos,
obviamente, os bacharéis em turismo, os técnicos e profissionais capacitados na
área.