quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Americana: da cidade privatizada ao turismo de base local*

Nos últimos anos em que a globalização tem se localizado em cada pedaço do globo e que o neoliberalismo tem se instituído como a máxima geopolítica em prol dos interesses de mercado, os Estados têm perdido seu poder sobre o futuro do meio ambiente, e como parte deste, da humanidade. Não é novidade que Americana tenha se configurado como cidade industrial, contudo, mesmo hoje após termos mudado nossa economia, tendo a maior parcela do nosso Produto Interno Bruto associado ao comércio e serviços, o planejamento urbano ainda está refém de uma ótica capitalista-mercantil. 

Nossa cidade, igualmente outras mundo afora tem se materializado como mercadoria. Assim, sendo um espaço a ser consumido, observa-se a supremacia do privado em detrimento do coletivo. A especulação imobiliária, o sucateamento dos parques públicos, a destruição dos patrimônios histórico-culturais e das reservas e mananciais, somados ao aumento da violência e mazelas sociais são alguns dos reflexos disso. Somente o privado é salvaguardado e preservado pelos muros, mensalidades e investimentos. Como tristes exemplos disso, contamos mais de 13 anos com o Casarão do Salto Grande fechado e a degradação crônica da Gruta Dainese. 

Estamos transformando a maior reserva de mata atlântica de Americana num lixão a céu aberto. O cúmulo da ilegalidade, um lixão dentro de uma unidade de conservação de proteção integral. Diante disso, embora o turismo possa ser cooptado pelo sistema político, econômico e social no qual vivemos, é também na contraposição desse contexto caótico que pode representar uma alternativa para o lazer, educação para sensibilidade e retomada do pertencimento e laços de sociabilidade para o coletivo. 

Jost Krippendorf, ao escrever sobre a sociologia do turismo, nos aponta que as cidades focadas no trabalho e na produtividade não têm dado muita atenção para o lazer e vida plena de seus habitantes. Em Americana, penso que temos priorizado ações focadas em alguns segmentos sociais, como atividades recreativas com a 3ª Idade em alguns bairros, contudo, mesmo sendo ótimos projetos, é preciso refletir na amplitude das políticas. O ideal é pensarmos numa cidade de todos e para todos. E isso demanda um olhar para as minorias políticas, pessoas em situação de vulnerabilidade, distintas faixas-etárias, classe social, etc. 

No Fórum de Turismo e Desenvolvimento Local de Americana, ocorrido em 14 de novembro de 2015 na câmara municipal, um dos elementos apontados foi o direito à cidade. É curioso como temos trajetos de ônibus em que percorremos praticamente todos os cantos da cidade, mas não temos nenhuma linha que percorra os principais patrimônios sócio-ambientais do município. 

Alinhamo-nos a ideia de que o lazer e o turismo representam estratégias para sensibilização e valorização de nossa história, patrimônio e memória, contrapondo à lógica mercantil de uma cidade para produtividade. A função crítica da atividade turística por meio da sensibilização expõe todas as potencialidades e mazelas do social, podendo dar espaços a novos valores e significados, preferencialmente menos perversos. Da experiência do turismo e lazer pode emergir uma ética que supere a visão de cidade funcional e vida fragmentada, trazendo a totalidade do corpo e alma, homem e natureza, conhecimento e prática. Nessa perspectiva, a cidade turística não é apenas do viajante, mas primeiramente daquele que o recebe e se vê como protagonista na prática da hospitalidade.

* Texto originalmente enviado como colaboração ao Jornal O Liberal e Portal Novo Momento